Hoje vi uma foto de um amigo querido quando mais jovem. Ele ainda é jovem, mas era ainda mais jovem na fotografia. Ao vê-lo naquela fotografia pensei: - “isso foi ontem! ” E, ao pensar assim, me dei conta do quanto tudo que me aconteceu viver foi ontem. Foi ontem ainda que estive adolescente; foi ontem que encontrei o meu amor; que namoramos; nos casamos; passei três verões grávida; foi ontem que criei meus filhos, que os vi crescer e partir para a vida. Tudo é tão recente em minha mente que, realmente, foi ontem.
Nascer, crescer e viver está tão vívido em minha memória que é como se tivesse acontecido ontem. É como se o que vivi pudesse ser representado por uma linha reta de um centímetro entre dois pontos: o ontem e o hoje. No entanto, não foi assim. Sabemos que o tempo não é uma linha reta, e que a espiral que percorremos no espaço-tempo em que vivemos, se esticada, cobriria uma incalculável distância entre o nascimento e a morte. O nosso espaço-tempo compõe-se de tantas transformações que os segundos, minutos, horas, dias, meses e anos que utilizamos para contá-lo não conseguem dar a sua correta dimensão. Essas medidas são apenas notações que conseguimos compreender. Servem, talvez, para nos dar a dimensão de nossa insignificância perante o todo que é o nosso complexo universo.
E, apesar da complexidade do todo, nós, minúsculos seres perante a totalidade, talvez jamais compreendamos que a nossa insignificância se reveste de todo significado apenas se tomado na dimensão humana, no exercício de ser gente, pessoa. Na tarefa de exercitar o bem e o bom no interior da espécie, de pavimentar o caminho para o exercício da igualdade e da tão falada fraternidade. Como tudo o que é plantado, estamos sempre retornando ao nosso estágio de sementes: nascemos, crescemos, florimos, frutificamos, murchamos, nos tornamos sementes e morremos para nascer de novo. Mas o renascimento de tudo que é deve ser transformador e o nosso não é.
Prova disso são todas as inflexões dos cinco últimos anos e da dimensão de tudo o que, nesse tempo, foi destruído. Essas observações ainda me provocam a sensação de que a rotação da terra foi alterada em seu eixo e cada volta é um retorno do que já vivemos de pior, como espécie, como país, individualmente, e como mundo, o coletivo de muitos povos e países. E não foi a pandemia do vírus SARS-CoV-2, o tal do Covid-19. A pandemia só agravou o que já havia circulando como um poderoso veneno nas veias da espécie humana.
Ontem a fé no futuro era uma realidade. Imaginávamos que fosse consenso o pensamento do mundo como um espaço para todos, um espaço que deveria ser cada vez mais humanizado, menos desigual, menos cruel. Havia credibilidade na potencialidade humana para a construção de uma Ciência a serviço da humanidade e que ela geraria conhecimentos e recursos humanos e tecnológicos para curar todas as doenças e prolongar a vida. Mas isso tudo não era real, era só um baile de máscaras. Findo o baile, caíram as máscaras.
Hoje, retornamos ao século XIX e muitos perderam a crença na Ciência, a fé e as crenças religiosas foram transformadas em armas de guerra e já nem cremos mais na nossa própria espécie. O nosso poder destruidor tem se manifestado em guerras infinitas de uns contra outros. As guerras destroem, desalojam, impedem a vida digna de muitos e nós nos sentamos de costas para a porta de nossa caverna, a ver as sombras que se projetam em suas paredes, incólumemente. Ninguém sai para olhar a realidade frente a frente.
Os líderes de grandes potências mundiais repetem todos os erros de seus antecessores e prosseguem buscando dominar mais e mais espaços geográficos pela força bruta. Os seres humanos não são mais um valor a ser preservado. O grande valor a ser preservado se conta em dígitos numéricos nas instituições financeiras. E para que alguns tenham mais, possam mais, dominem mais, não importa quantos percam tudo e nada tenham.
Enfim, os humanos foram substituídos em seu valor inerente de pessoa pelas finanças. E no nosso retorno ao passado, nada hoje é mais importante que elas, pois vivemos algo como uma mistura dos séculos XVII e XIX e retomamos os caminhos da pobreza, da miséria e do laissez-faire. Repetindo Colbert, controlador das finanças do Rei Luíz XIV da França, nossos poderosos economistas continuam perguntando aos nossos poderosos “ reis” o que o governo pode fazer para auxiliar a economia... e eles prosseguem respondendo: Laissez-nous-faire”, ou seja, “ deixe conosco”. E quanto ao resto? Deixem fazer, deixem passar...
E eu retorno à fotografia antiga de meu amigo e penso: “isso foi ontem” e, com a permanente sensação de déjà vu, constato, no entanto, que amanhã já é 2022. (dibs)
Nenhum comentário:
Postar um comentário