Movendo os braços em torno à lateral do corpo eu voava! Horas de treinamento eram necessárias para que o movimento de cada braço tivesse a potência de uma hélice. Até chegar ao equilíbrio aéreo dos dois braços funcionando sincronicamente levei muitos tombos, feri os joelhos, machuquei as mãos e esfolei a sola dos pés. Mas depois de algum tempo, conseguido o equilíbrio e dado o primeiro salto no ar, eu planava a poucos centímetros do chão. Aos poucos ia me elevando e ganhando altura sobre as construções da rua, depois do bairro, a seguir da cidade. A dor inicial do esforço dos braços em hélices ia desaparecendo e um ruído característico indicava o surgimento de asas potentes, que agora me sustentavam no ar. Mais que vê-las, eu podia senti-las fortemente enraizadas no meu corpo.
De início eu estava só e não vislumbrava viva-alma no espaço aberto que se descortinava aos meus olhos. Aos poucos, porém, manchas claras no céu me indicaram a presença de outros seres iguais. Por diversas vezes observei-os à distância, temendo suas presenças. De corpos magros e de longos cabelos, suas vestes diáfanas, que mal se delineavam no azul acinzentado do espaço, tornavam-nos surreais. Mas a sensação de tranquilidade e segurança, aos poucos, tomou conta de mim e eu soube que podia confiar neles. Eram seres como eu, desgarrados do mundo, que nas madrugadas cumpriam o destino de livrar-se de si mesmos e seguir o anseio interior de libertação.
Nos primeiros dias éramos dois ou três seres iguais, no entanto, com o passar das semanas e o aprendizado da elevação a níveis mais altos do espaço, pude constatar que éramos muitos. Semelhantes em aparência, com o tempo nos aproximamos. Ficávamos horas a dialogar, planando tranquilamente, como se boiássemos numa agradável e imensa piscina, numa franca afronta às leis da realidade física do mundo material. Uma observação que pude fazer é que éramos, na totalidade do grupo, seres femininos, notívagos e, de certa forma, sonâmbulos, já que muitos dentre nós só se davam conta de onde estavam ao sentir no rosto a brisa fria da elevação no espaço. Isso só era possível porque o ritual de elevação já era tão inerente à nossa cognição que muitas vezes passava despercebido do corpo físico.
Foram tempos de descobertas. Minha consciência ganhava amplitude, se expandia. Os limites da realidade se ampliavam e eu já podia perceber o que normalmente era imperceptível. Eu sentia que tudo era possível desde que me mantivesse liberta das cadeias impostas pelos limites da realidade material, concreta e palpável. Se havia alguma verdade ela estava ali, no esforço do aprendizado da transformação e da elevação, no imperceptível que está no cotidiano, no além da razão que flerta com a racionalidade, mas sem manifestar-se, discreto em sua totalidade divergente e transgressora.
Foram tempos de descobertas. Minha consciência ganhava amplitude, se expandia. Os limites da realidade se ampliavam e eu já podia perceber o que normalmente era imperceptível. Eu sentia que tudo era possível desde que me mantivesse liberta das cadeias impostas pelos limites da realidade material, concreta e palpável. Se havia alguma verdade ela estava ali, no esforço do aprendizado da transformação e da elevação, no imperceptível que está no cotidiano, no além da razão que flerta com a racionalidade, mas sem manifestar-se, discreto em sua totalidade divergente e transgressora.
Assim como chegou, o tempo de voar se foi, inexplicavelmente. Por vezes, ainda me lembro das demais companheiras de jornada e fico a imaginar se lhes ocorreu o mesmo que a mim e uma pergunta insiste em incomodar meus dias: o que, afinal, foi feito de minhas asas?
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