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terça-feira, 19 de abril de 2016

UMA QUESTÃO DE COERÊNCIA


Meus amigos mais chegados costumam dizer que eu sou uma pessoa tranquila e ponderada. Por isso muitos manifestaram seu estranhamento sobre as postagens que fiz no facebook nesses dias conturbados. Além da tranquilidade e ponderação que me atribuem os amigos, as situações que vivi me permitiram desenvolver um senso de justiça acentuado. Considero que qualquer ação injusta, seja contra quem for, é digna da nossa manifestação. Como disse Montesquieu “ A injustiça que se faz a um é a ameaça que se faz a todos". Penso que seja este senso de justiça que me faça perder a tranquilidade em situações como a que vivemos hoje na política brasileira. E, não, não sou filiada a nenhum partido político, embora isso não me isente – nem proíba – de defender as ideias nas quais acredito. 
O que meus amigos talvez não saibam, ou não se recordam, é que além de Pedagoga eu também sou historiadora e minha área de pesquisa é História Política (e Religiosa) da América Latina e do Brasil - tema sobre o qual me debruço cotidianamente desde 1995. Já produzi um livro sobre o assunto, resultante da minha tese de doutoramento. O livro foi publicado pela Nova Edições Acadêmicas, na Espanha, e está disponível, pela Amazon e pela Barnes e Nobles, em diversos países, exceto no Brasil. 
Compreendo perfeitamente que essa experiência não me torna dona da " verdade", e jamais o pretendi, no entanto, certamente que me dá alguma competência sobre o assunto. 
Nesta obra pesquisei também a organização dos partidos políticos brasileiros desde os seus primórdios, o que me permitiu constatar que apenas três agremiações partidárias do Brasil constituem o que se pode considerar Partido Político. Estes três partidos brasileiros são os únicos que se organizam a partir de uma ideologia à qual seus membros são fiéis e que tem o povo brasileiro e o país como norte para suas práticas políticas. Todos os demais se organizam em vista dos interesses econômicos e financeiros de seus membros, tendo por meta o poder pelo poder e o que isso significa na aquisição-manutenção do status quo. São políticos profissionais por interesses próprios, nenhum deles tem o país, a nação, o povo como fonte de inspiração para o exercício da política e do poder. O povo só conta como massa de manobra, pois dele extraem o voto que elege! De resto, durante o exercício do poder, para a maioria dos membros destes grupos políticos, o Brasil é um país sem povo! Não é possível deixar de observar esse fenômeno.
No final de 2013 eu comentei com amigos e familiares que havia um golpe sendo gestado na política brasileira com o objetivo de acabar com o partido político no poder – no caso, o PT. E fui colecionando e avaliando notícias, dos mais variados meios de comunicação. Ninguém acreditou em mim, disseram que eu estava lendo muita “teoria da conspiração” e vendo conspiração onde nada havia. Desde que começaram a plantar notícias e vazamentos sobre o ex-presidente Luiz Inácio (e a forma como o fizeram) tive certeza de que havia um golpe em andamento e que os vazamentos visavam neutralizá-lo, acabar com ele, pois apesar de toda desconstrução de sua reputação ele ainda era muito considerado pelos trabalhadores. Na sequência apareceram as denúncias sobre a Petrobrás e a presidente. Há um aspecto muito interessante na nossa sociedade atual: é o fato de que a pecha de corrupto cola indelevelmente em alguns, mesmo sem qualquer comprovação do fato denunciado, mas não cola em outros, mesmo com a competente e abundante comprovação do fato denunciado. E o golpe finalmente foi revelado em toda a sua sordidez e está em andamento. 
Sou cidadã brasileira, exerço todas as minhas obrigações e não me furto a exercer os meus direitos e tenho lado, pois não acredito em neutralidade. Não vou dizer que sou “a favor da verdade”, porque a verdade se transformou num critério subjetivo. Concordo em gênero, número e grau que nossa atual presidente errou ao propor um programa de governo durante a campanha e executar outro, muito distante daquele prometido. Isso foi uma traição aos princípios pelos quais ela foi escolhida. (Mas também é impossível esquecer que desde o primeiro dia do seu segundo mandato ela tem sido impedida de governar por aqueles que não aceitaram perder as eleições pelo voto).
No entanto, isso não justifica um golpe de estado dado pelo conluio entre a mídia, parte da classe jurídica, a elite econômica, os grandes conglomerados industriais e os interessados em repartir com o mundo as jazidas de petróleo e gás brasileiros. É situação muito grave para o futuro do país, principalmente se considerarmos que pairando sobre isso tudo há o apetite insaciável do grande grupo de corruptos e corruptores instalados no congresso nacional e que quer safar-se das punições via Lava Jato, dentre outras investigações em andamento. Os grandes capitalistas também querem se livrar dos custos sociais do contrato de trabalho, por isso desejam a terceirização total do sistema, o fim da CLT, bem como o fim do décimo terceiro salário, do sistema de aposentadorias via INSS, enfim, uma revisão para menos de todos os direitos dos trabalhadores. A minimização dos custos sociais para a maximização dos lucros capitais. Com o atual governo isso não aconteceria da forma abrangente como pretendem, então se organizaram para derrubá-lo. 
Também não concordo com o circo midiático que virou a Lava Jato, não concordo com a culpabilização única e exclusiva do ex-presidente Luiz Inácio e de sua família via sofismas articulados por mídias que estão com os pés na cova e dependem de financiamentos de um governo (generoso financeiramente) que lhes seja favorável. 
Se no ex-presidente e em seus familiares houver culpa que demonstrem cabalmente, com provas concretas e irrefutáveis, mas não podem destruir a reputação das pessoas via disseminação de desconfianças infundadas. Não concordo que ao investigar os crimes de corrupção os ilustres responsáveis pelas tais operações queiram passar uma borracha naqueles crimes - provados, comprovados e documentados - que antecedem os governos Lula e Dilma, com a reles desculpa de que estão prescritos. Não é verdade. Esse tipo de crime não prescreve, dizem juristas de reconhecido saber e competência. 
Não é uma questão de tomar partido em função do partido político dos personagens envolvidos, tampouco em função dos próprios personagens. Não creio em mitos, não tenho ídolos. Admiro sim alguns personagens de nossa história recente, mas sem a mitologização dos mesmos e sem a insensatez da idolatria. O caso atual é uma questão de justiça e injustiças. Não é justo, não é correto, não é ético, não é moral o que estão fazendo. Além do mais, não se pode jogar no lixo mais de 54.000.000 de votos, sem causas plausíveis. O circo visualizado domingo na câmara comprovou o que tento dizer. 
Entendo que nos defrontamos com grupos políticos que querem apear a presidente do poder para apropriar-se dele, em conluio para livrar a pele de renomados corruptos, e para fazer valer as propostas políticas de grupos econômicos/financeiros interessados em destituir o país da política de nacionalização de alguns recursos naturais e de específicas tecnologias. Um Brasil grande e forte economicamente colocaria em risco conhecida hegemonia. 
Isso me parece muito claro e distinto para quem não se contenta em informar-se pelo Jornal Nacional, Folha, Estadão, Veja e congêneres. É preciso cruzar dados das diversas fontes de informação para construir o próprio entendimento, sem deixar-se contaminar pelos que se denominam “ formadores de opinião”. A denominação “ opinião” já traz embutida em si o grande problema. Como diziam os gregos, há a “doxa” e a “episteme”. A palavra “doxa” equivale a opinião ou conhecimento de senso comum, e a “ episteme” corresponde ao conhecimento (ou Ciência). “O termo grego encerra a significação de uma certa noção de julgamento e sentimento, no sentido de resolução e decisão parcial, baseada unicamente nos dados presentes. Isso implica que doxa é compreendida como um certo juízo subjetivo que tem valor apenas momentâneo, um juízo que não poderá ser referência ética, pois tem presente a possibilidade da falsidade das crenças que suportam a ação. Sob a mesma perspectiva [...] a episteme é vista como uma techné, uma habilidade para fazer algo, um tipo de saber que tem seu suporte no conhecimento especializado e preciso da coisa. (Franklin, Karen. Os conceitos de Doxa e Episteme como determinação da ética em Platão. Educar em Revista, num.23, 2004, p.334.Universidade Federal do Paraná)” . 
Como todo historiador não me contento em repetir o que todos repetem sem buscar outras e mais aprofundadas informações sobre a realidade dos fatos e processos históricos. Preciso vasculhar textos e dados, analisar discursos, comparar informações para só então considerar as possibilidades de que sejam ou não verdadeiros e/ou legítimos os fatos/processos apontados, ou narrados. Isso é mais difícil do que acreditar em todo e qualquer “formador de opinião”. Mas é assim que escolho fazer. 
É isso que penso e sinto muito se a minha forma de pensar destoa daquilo que meus amigos esperavam de mim. Mas não perdi a tranquilidade ou a ponderação no que se refere ao respeito pelo direito de quem quer que seja de ter entendimentos divergentes dos meus – continuo respeitando os entendimentos de quem quer que seja – no entanto, se meus amigos realmente me conhecem, sabem que eu jamais deixaria de dizer o que penso para agradar ou satisfazer a quem quer que seja. Seria falso de minha parte proceder assim, já que não sou assim. Considero que sobre a ética e a justiça não se tergiversa.

Abraços a todos. 


Dirce

2 comentários:

Ivone Brito disse...

Dirce , que bom seria que este discernimento estive sendo exercitado pelos mandatários da justiça. Admirável a sua coerência. Parabéns.

Dibs. disse...

Muito obrigada, Ivone. Ando tão revolta com esta história que até meus amigos me estranharam, daí o texto. Abraços.